Um contribuinte obteve na Justiça o direito de discutir a apreensão de mercadorias importadas pela fiscalização alfandegária no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Até então, a aplicação da chamada pena de perdimento era somente analisada em primeira instância, por Delegacia da Receita Federal de Julgamento (DRJ), sem possibilidade de recurso.

A sentença, segundo advogados, é a primeira a aplicar o que dispõe a Convenção de Quioto, que instituiu duas instâncias para a discussão de todas as questões aduaneiras. Desde o dia 13 de março, está em vigor no Brasil o Decreto nº 10.276, que promulgou o texto do protocolo de revisão do tratado internacional, concluído em Bruxelas, em 26 de junho de 1999.

A decisão é do juiz Jurandi Borges Pinheiro, da 2ª Vara Federal de Itajaí (SC), e beneficia a Puma Comercial de Metais. “Finalmente teremos um julgamento isento para as questões de perdimento, que tinham até agora um rito incomum”, diz o advogado da companhia, Carlos Navarro, do escritório Galvão Villani Navarro.

De acordo com ele, até então esses casos eram julgados somente dentro da alfândega ou nas delegacias da Receita Federal. “Agora serão analisados por um órgão paritário, no caso o Carf”, afirma Navarro.

A pena de perdimento, considerada por advogados como uma das mais severas sanções administrativas, é aplicada aos contribuintes quando entende-se que há irregularidades na importação. Casos, por exemplo, de mercadorias avaliadas como ilícitas, sem licença ou guia de importação ou mesmo quando há omissão em relação ao que está sendo trazido para o Brasil.

Apesar de estar em vigor a Convenção de Quioto, que prevê duas instâncias administrativas, as normas internas da Receita Federal ainda preveem apenas uma para penas de perdimento. Isso faz com que os contribuintes tenham que entrar na Justiça para a aplicação do que está disposto na norma internacional.

No caso analisado, a Puma Comercial de Metais teve problemas com a Receita Federal ao importar um de seus produtos para revenda. O que chegou ao Brasil era de alumínio maciço, mas a nota fiscal dizia que era apenas banhado de alumínio. O que acarreta em grandes diferenças de preço e tributação. Ao fiscalizar, a Receita entendeu que houve fraude e declarou o perdimento da mercadoria.

Contudo, segundo Navarro, o que ocorreu foi um equívoco na importação e a empresa quis até mesmo devolver o produto, que veio errado. Mas, acrescenta, a Receita declarou pena de perdimento. Como a situação ocorreu após a entrada em vigor da Convenção de Quioto, o advogado tentou levar o caso ao Carf. O pedido foi negado e o próximo passo foi ajuizar mandado de segurança na Justiça (nº 5000928-20.2020.4.04.7208).

Em uma primeira análise, o juiz Jurandi Borges Pinheiro negou o pedido por entender que o Supremo Tribunal Federal (STF) já tinha considerado constitucional, em 1995, a possibilidade de haver julgamento de pena de perdimento em apenas uma instância (ADI 1049-2).

A empresa apresentou pedido de reconsideração (embargos de declaração) com a alegação de que na data em que foi proferida a sentença, dia 19 de abril, estava em vigor a Convenção de Quioto, promulgada no Brasil no dia 13 de março. O magistrado então alterou e aplicou a jurisprudência do STF sobre a observância de tratados internacionais, na linha do que foi definido no julgamento da ADI 1480, em 1997. Ainda cabe recurso.

A sentença, segundo o advogado Eduardo Maneira, do Maneira Advogados, é interessante por aplicar a Convenção de Quioto, de 1999, da qual o Brasil agora é signatário, para assegurar o julgamento em duas instâncias administrativas para questões aduaneiras. Para ele, a intenção da norma é uniformizar os procedimentos aduaneiros em todos os países signatários.

Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não deu retorno até o fechamento da edição.

Fonte: Valor Econômico – 15 de junho de 2020


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